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O relator da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 06/2019, que dispõe sobre mudanças na Previdência, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), propôs que a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) de bancos e outras pessoas jurídicas do setor de atividades financeiras seja elevada dos atuais 15% para 20%. Vale ressaltar que a alíquota estava em 20% até dezembro de 2018, por força de medida provisória de 2015 que a elevou temporariamente.
A proposta do relator desagradou a bancos, naturalmente, e ao governo, segundo amplamente noticiado pela imprensa. Foi também atacada pelo economista Marcos Lisboa, que a classificou de “oportunista”.
A Constituição Federal, em seu artigo 195, admite, no financiamento da seguridade social, uso de alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas em razão de atividade econômica, utilização intensiva de mão de obra e outros fatores. E determina, ainda, no seu artigo 194, a equidade na forma de participação no custeio do sistema como objetivo. A intenção do legislador é evidente: quem pode mais, paga mais.
Não é, contudo, o que acontece com a contribuição patronal sobre a folha para o RGPS (Regime Geral de Previdência Social). Isso fica evidente ao compararmos estimativas de razões entre essas contribuições e o lucro líquido de diferentes setores, como no gráfico a seguir.”
“Enquanto o setor financeiro contribuiu com o equivalente a cerca de 16% do seu lucro líquido base para a CSLL, setores como transportes, têxteis e outras indústrias contribuíram com cerca de 60% cada um — o que demonstra uma desigualdade considerável entre os setores, em termos proporcionais.”
“Se somente a contribuição do setor financeiro tivesse sido, em 2017, equivalente à razão média de todos os setores selecionados (40%), a arrecadação da Previdência teria sido R$ 25 bilhões maior. Se fizermos o mesmo cálculo juntando os três setores que contribuíram proporcionalmente menos (isto é, atividades imobiliárias, financeiras e equipamentos eletrônicos e ópticos, o acréscimo seria de R$ 33,9 bilhões em um ano. Isso sem incluir o setor de comunicações (quinto menor contribuinte proporcional). Só o acréscimo da arrecadação destes quatro setores, se estivesse na média dos demais, seria o equivalente a R$ 339 bilhões em dez anos, numa conta rasa, para comparar com o R$ 1 trilhão almejado pelo governo com a proposta inicial feita para a Previdência. Já a do relator tem impacto estimado de R$ 5 bilhões/ano.
O que os dados deixam evidente, no final das contas, é que a fatura da Previdência Social não é dividida adequadamente no segmento patronal, de acordo com a capacidade de contribuição de cada setor de atividade. O esforço proporcional feito pelas nossas indústrias é, via de regra, absolutamente superior ao realizado pelo setor financeiro, por exemplo. Mais que isso, os dados mostram que é possível encontrar espaço para ampliar a arrecadação mediante uma divisão mais equânime. Ah, e, claro, que a proposta do relator, apesar de ampliar de 6 para 11 pontos percentuais a diferença entre a CSLL geral (9%) e a do setor financeiro —, é ainda pouco para reparar essa assimetria.”
Os dados financeiros do RGPS evidenciam a necessidade de um olhar mais atento para a arrecadação do que o embutido na proposta do governo, que concentra todo o esforço de economia de recursos nos benefícios – ou seja, em tirar o pouco que sobre pro bolso dos trabalhadores.
“A explosão da necessidade de financiamento do RGPS de 2014 pra cá não se deveu a uma explosão de gastos, mas a uma frustração de arrecadação — particularmente a partir de 2014, dada sua sensibilidade à evolução do PIB (Produto Interno Bruto). De tal sorte que, se o ajuste proposto inicialmente pelo governo para os benefícios fosse implementado hoje na sua totalidade, e toda a economia de recursos estimada pelo governo se concretizasse, nossa necessidade de financiamento permaneceria, ainda, em patamar superior ao registrado em 2014.”
Não se trata de ignorar que o nível de esforço feito pela sociedade para pagar pensões e aposentadorias, equivalente a cerca de 9,7% do PIB (dados de 2015), já é elevado. Para um país com uma proporção ainda relativamente baixa de idosos, o esforço que os trabalhadores brasileiros fazem é imenso. Também não se trata de ignorar o papel de efeitos de variações conjunturais do PIB sobre essa relação.
Esse é um debate crucial porque passa despercebido por trás da cortina de fumaça dos ataques mais absurdos e diretos à população mais pobre. Mas não é apenas tirando dos pobres que o sistema intensifica a desigualdade, é também na vista grossa na hora de cobrar os ricos. E, mais uma vez, não se trata somente de cobrar as dívidas das empresas que estão afundando os cofres da Previdência enquanto promovem a reforma às custas dos trabalhadores.
Mesmo se todas as empresas devedoras pagassem a Previdência conforme a lei, o que os dados mostram é que essa mesma lei já é demasiadamente branda com aquelas que mais têm condições de contribuir. E isso também precisa mudar se quisermos realmente salvar a economia do país.
“Sem ajustes pelo lado da arrecadação, ou do conjunto de receitas consideradas exclusivas do RGPS, continuaremos impondo ao setor patronal uma distribuição desproporcional do seu custeio, com consequências sobre a nossa competitividade, inclusive. E continuaremos fadados a reencontros constantes com a manchete “crise na Previdência”. A delimitação de receitas que sejam exclusivas e suficientes ao RGPS é absolutamente fundamental para a sua sustentabilidade, e o melhor caminho para fazê-lo é no âmbito dessa PEC. Caso contrário, o argumento político de que a Previdência gera pressões crescentes sobre outras despesas permanecerá recorrente, e o RGPS seguirá sendo um sistema de regras escritas a lápis, que falha no seu essencial — a previsibilidade.
Portanto, é preciso buscar um mecanismo de financiamento que, minimamente, distribua o custo do sistema na sociedade de forma mais justa e gere uma necessidade de financiamento estável e previsível, sendo menos sensível a desacelerações econômicas. E essa não é, obviamente, uma tarefa simples, mas também não é impossível.”
Um sistema que contemple a ampliação, em momentos de crise, de alíquotas de contribuições sobre bases menos correlacionadas à atividade econômica — como riqueza, propriedade ou mesmo lucros do sistema financeiro — pode ser uma solução não somente para a Previdência, mas para o amortecimento de ciclos econômicos, e para o futuro econômico do Brasil.
Fonte: Nexo Jornal