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Você com certeza já ouviu algo do tipo “se não mudar isso, o Brasil vai quebrar!” Mas afinal, o que se quer dizer com “quebrar” em frases assim? E o que isso tem a ver com a fila do INSS? Rádios, jornais e revistas costumam dizer que “o Brasil vai quebrar” se o governo não pagar dívidas que estão na mão de grandes grupos financeiros.
Conferindo o site do Tesouro Nacional, você pode ver que quase 90% da Dívida Pública Federal está destinada a um sistema que, ainda que inclua pequenos investidores, é profundamente acumulado em oligopólios. Aproximadamente 25% do montante da dívida estaria nas mãos dos bancos de investimento; outros 25% nos fundos de investimento; outros 25% em fundos de pensão; e cerca de 10% com investidores estrangeiros.
Se quebrar é não honrar um compromisso assumido anteriormente, já estamos quebrados há muito tempo. Quando, por exemplo, o governo muda as regras da Previdência, deixa de honrar um compromisso com milhões de pessoas que investiram por anos e anos em uma promessa de aposentaria com certas regras, e agora são obrigadas a aceitar um novo sistema. Só que existe um exemplo ainda mais claro se “quebrar” significa o governo não pagar um compromisso financeiro já assumido.
É notícia nas últimas semanas e, infelizmente, há muitos anos esse tema sempre aparece: a imensa fila de pessoas no INSS. No total, dois milhões de pessoas estão para receber, das quais cerca de 500 mil ainda estão para apresentar alguns documentos. Portanto, cerca de um milhão e meio de brasileiros continuam esperando sem receber os benefícios que já deviam estar garantidos. São aposentadorias e pensões que já foram verificadas e aprovadas, já foram considerados legítimos, e mesmo assim estão com grandes atrasos no pagamento do governo.
Os prazos para o pagamento do INSS são determinados pela Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Segundo o texto, a partir do momento que o benefício é deferido, o governo possui no máximo 45 dias para pagar. Uma vez que ultrapassa o prazo, o governo se coloca em dívida com essas pessoas. Mas qual é a diferença entre essa dívida e aquela outra, com os bancos e fundos de investimento?
A primeira categoria de dívidas que falamos, as do sistema financeiro, tratam por exemplo dos títulos de renda fixa, das LFTs (letras fixas do tesouro) e LTNs (letras do tesouro nacional), das séries de NTNs (notas d0 tesouro nacional) etc. Quando o governo não paga uma dessas notas, entra em vigor o que os economistas chamam de “default”, um mecanismo de garantia quando o credor está “falhando”. Contudo, quando o governo não paga sua dívida com uma mãe que possui direito a auxílio maternidade, já não existe default. Quando o governo deixa de pagar alguém que possui direito a um auxílio doença ou a uma aposentadoria (que é a maior parte das pessoas “na fila” do INSS) ele deixou de pagar um compromisso no prazo assumido. Na prática, as duas dívidas são iguais. Mas as garantias são muito diferentes.
Com honestidade, podemos considerar que é bem pior a dívida do INSS do que aquela com alguém que já possui condições de investir e poupar dinheiro para viver de renda – inclusive instituições. A dívida do INSS é deixar de pagar pessoas que dependem daquele dinheiro para sobreviver e passar por um momento difícil. Seja no caso de estar doente, de ter tido um filho, ou ter atingido uma idade que dificulta a aptidão para garantir a renda pela sua força de trabalho.
Pode-se dizer que seria justo considerar esse tipo de dívida muito mais grave do que o outro. Mas ainda que os dois fossem colocados em pé de igualdade, muita coisa já iria mudar. É o que defende o economista e ex-banqueiro, Eduardo Moreira.
Afinal, qual é a penalidade sobre o governo que não paga suas dívidas com aposentados e pensionistas? Além de um pequeno desgaste temporário na mídia, a penalidade é praticamente nula. Em poucas semanas, as notícias já são outras e ninguém mais lembra da fila do INSS. Enquanto isso, as pessoas continuam passando fome, enfrentando doenças, precisando de remédios, vivendo as dores da idade, e seguem sem receber. A única penalidade para o governo que atrasa é corrigir os valores pela inflação. Nem mesmo juros são cobrados.
Podemos dizer que, no atual sistema, o governo tem literalmente um incentivo financeiro para não pagar as pessoas da fila do INSS. Só para se ter uma ideia, quando o governo quer “levantar dinheiro” uma prática comum é emitir dívidas – justamente esses títulos financeiros com bancos etc. Tudo isso tem juros, e faz parte da economia que esse recurso seja usado para financiar as atividades de um país. Mas se ele não paga os benefícios do INSS, é como se estivesse financiando suas atividades às custas do sofrimento de cada mãe, doente e aposentado.
Recentemente, o Secretário de Previdência do Ministério da Economia de Paulo Guedes admitiu isso em uma explicação à imprensa: “é um problema que nós temos, de sistema e de orçamento”. Ou seja, por mais caricato que pareça, o governo literalmente está se financiando às custas dos velhinhos, das mães pobres e dos doentes, e cerca de 90% desse financiamento é para pagar banqueiros. Como chegamos a isso – ou melhor, como acabar?
Segundo Moreira, é possível sim acabar com a fila do INSS literalmente de um dia para o outro. Não seria um processo simples, mas seria imediato. O problema é que exigiria um comprometimento que o atual governo não tem com a população. A ideia que é cada vez mais popular entre economistas de todo o mundo, e diz respeito à aplicação do mecanismo de “cross-default” no sistema do INSS, da mesma maneira como é usado no mercado financeiro.
Segundo o cross-default, o governo é livre para emitir várias dívidas, que funcionam como “empréstimos”. Mas se uma única delas não for paga, todas as outras são imediatamente postas em “default”. Ou seja, todas as outras falharam também e não podem ser pagas separadamente enquanto aquela não for acertada. É um mecanismo para defender as pessoas que investem no governo, comprando títulos da dívida pública.
Isso defende a pessoa ou instituição que compra um título do governo, porque garante que a sua dívida é tão importante quanto todas as outras. Como qualquer atraso nesse caso seria um problema enorme para o país, todos têm a certeza de que o governo fará o maior esforço possível para pagar regularmente essas dívidas.
A proposta de Eduardo Moreira e muitos outros economistas no mundo é que o cross-default seja estendido para contemplar também as dívidas do governo com aposentadorias, pensões e auxílios sociais. Isso significaria que, enquanto o governo não pagar qualquer uma dessas pessoas, não poderá pagar nenhuma outra dívida com grandes bancos e investidores estrangeiros. Óbvio que, da mesma foram que é com o mercado, jamais haveria “fila” no INSS.
Você concorda que essas dívidas devem ser tratadas com a mesma importância (no mínimo)? Pois o primeiro argumento contra essa proposta é que ela aumentaria demais o índice de riscos da dívida brasileira, aumentando os juros que o país precisa pagar a quem compra seus títulos, e esse “custo maior” será pago por todo mundo.
Mas, segundo Moreira, “com meus 20 anos de experiência no mercado, é exatamente graças a esse medo da taxa de juros aumentar e gerar um caos que o governo não pensaria duas vezes em provar para os bancos e investidores que não haveria atrasos com os benefícios dos cidadãos. É evidente que é necessária uma força tarefa, um aperfeiçoamento do sistema de garantias, mas a única diferença é que hoje quase não existe pressão para isso, e é o que o corss-defalut poderia gerar.
“Parece uma maluquice que essas duas dívidas não estejam no mesmo patamar – a dívida com as pessoas doentes, com as mães e com os aposentados, e aquela com os banqueiros e investidores. O nosso sistema e o nosso governo tratam os investidores financeiros com muito mais importância até na hora de pagar o que devem, do que as pessoas que estão (muitas vezes, literalmente) morrendo.”