Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:

Resistência Popular é a campeã do carnaval 2018!

Compartilhe:
noticias-campeacarnaval

O carnaval sempre foi símbolo da resistência popular, e em 2018 ela é a grande campeã!

Fez presença nos enredos e alegorias que escancararam as feridas do país: corrupção, desigualdade, e exploração dos trabalhadores. Esteve em peso nas ruas, nos blocos que reafirmaram a alegria sobre todas as formas de desrespeito. Machismo, intolerância, racismo, preconceito e fanatismo não tiveram vez.
Foi a campanha massiva do “não é não”, que já mostrou a força cada vez mais consolidada dos movimentos feministas. Foi a crítica em todos os sambas, dentro e fora da avenida. Foi, por último, o escárnio do vampirão e dos ataques aos direitos trabalhistas. Foram as lutas do povo, a resposta positiva. Se toda festa tem o risco de abafar nossas lutas (o risco de alienar e fazer esquecer do nosso próprio esforço por dignidade e justiça), dessa vez foi mesmo o contrário.


Os desfiles das escolas Paraíso do Tuiuti e Beija-Flor de Nilópolis na Sapucaí chamaram atenção pela dimensão política dos sambas-enredo e por referências nada sutis ao atual estado do País.

Fonte: Miguel Martins, Carta Capital.

Guerreiros da CLT

“Em sua apresentação na madrugada da segunda 12, a primeira retratou manifestantes de verde e amarelo em trajes de pato e manipulados por um vampiro presidente inspirado em Michel Temer. Enalteceu ainda os “guerreiros da CLT”, representados nas fantasias como uma espécie de deus Shiva dos trabalhadores, munido de martelo, foice e outros instrumentos em seus quatro braços. Os integrantes da ala carregavam ainda uma enorme carteira de trabalho avariada, uma crítica à reforma trabalhista aprovada no ano passado.

Leia também: 
Beija-Flor e “os filhos abandonados da pátria que os pariu”
“Não sou escravo de nenhum senhor”: Tuiuti desfila contra retrocesso

O início do desfile da Beija Flor trouxe alegorias que remontam à história do doutor Frankenstein, escrita há 200 anos, e a relação entre o criador e sua criatura. O monstro de Frankenstein, no caso, é o próprio Brasil.

Na sequência da apresentação, surgem as alas dos piratas e dos espólios, das santinhas do pau oco usadas para sonegar impostos da Coroa no ciclo da mineração, dos ratos e abutres que integram a “quadrilha da mamata” instalada no poder. O desfecho dessa parte é a ala dos roedores dos cofres públicos, que abre o caminho para a alegoria da Petrobras e dos corruptos atuais.

O ponto de partida da Tuiuti é a escravidão.

Chamada “Grito de Liberdade”, a comissão de frente trouxe negros escravizados que libertam-se por meio da força dos seus ancestrais. Em seguida, o desfile traz temas da história geral e brasileira do cativeiro, até relacionar a perda de direitos trabalhistas na atualidade com a herança escravista de superexploração do trabalho no Brasil.

Duas visões do problema

As escolas optam por caminhos distintos, que estão por trás de um debate relevante sobre nossa história. A alegoria do País da corrupção trazida pela Beija-Flor é uma das interpretações mais antigas de nossa historiografia. Escrito nos anos 1920, “Retrato do Brasil” de Paulo Prado, buscava explicar a suposta tendência nativa ao desvio moral em razão do tipo imoral de europeu que nos colonizou.

Mais à frente, intelectuais como Sergio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro também buscariam em nossa colonização razões para os problemas do país. Este argumento é muito rejeitado entre quem estuda a nossa sociedade, mas a ideia de uma “essência corrupta” costuma ser tratada como verdade absoluta por grande parte da população.

Se a Beija-Flor foi a porta-bandeira da tese do “País da corrupção” na Sapucaí, a Paraíso do Tuiuti alinhou-se com outra interpretação da nossa história. Essa sim é cada vez mais forte tanto entre estudiosos como para todo o povo, que vive na pele a exploração. É a interpretação de que: mais do que a “corrupção”, a preservação do sistema escravista e da superexploração do trabalho é a principal fonte da desigualdade no Brasil, e a principal característica das elites econômicas da Colônia e do Império.

 

Nas últimas décadas, diversos historiadores buscaram consolidar a escravidão como tema definitivo de nossa formação social e cultural, a exemplo de Luiz Felipe de Alencastro, que aborda em “Trato dos Viventes” a construção do império ultramarino português a partir das redes comerciais no Atlântico Sul, notadamente às do tráfico negreiro. Um dos principais críticos atuais da tese do “País da corrupção”, o sociólogo Jessé Souza costuma afirmar que a escravidão é o principal pilar da nossa formação histórica, e não os desvios éticos, comuns a todos os povos.


Embora partam de pontos de vista distintos, as abordagens históricas das duas escolas também se cruzam.

Ganham espaço temas como a xenofobia (preconceito com outros povos), a discriminação, o feminícidio (assassinatos a mulheres) e a apresentação do carnaval como espaço de redenção da democracia. O abandono dos filhos “da pátria que os pariu”, tema do desfile da escola de Nilópolis, não é apenas fruto da corrupção, mas também das violências simbólicas contra as minorias.

Por outro lado, a corrupção não está ausente do desfile da Tuiuti. Pelo contrário: enquanto a comissão de frente aborda a escravidão, o último carro alegórico a passar pela Sapucaí não traz apenas um vampiro presidente. Rodeado de notas de dinheiro, o sangue-suga está a serviço do enriquecimento ilícito.

O combate à corrupção surge no desfile da Tuiuti não como ponto central de nossa formação histórica como povo, mas como um discurso muitas vezes utilizado por integrantes da elite, também corruptos, para manipular a opinião pública contra seus algozes.

A discussão sobre o Brasil estar assentado principalmente na corrupção exposta pela Beija-Flor ou na exploração denunciada pela Paraíso do Tuiuti não se encerra em um simpósio de historiadores ou em um desfile de carnaval. O fato de duas escolas terem transformado esse debate em festa e música mostra, porém, que os problemas do País não são mais adiados para a quarta-feira de cinzas.”

Deixe seu comentário: